HÁ 150 MILHÕES DE EUROS PARA APOIAR PROJECTOS DE INOVAÇÃO SOCIAL.
Seja a tornar as cores acessíveis a todos, a eliminar barreiras de comunicação para surdos e mudos, a promover a inclusão dos que chegam de outras culturas ou a combater o desemprego na área tecnológica, há quem esteja a fazer negócio atenuando problemas sociais. São iniciativas privadas, sem fins lucrativos, que, com a ajuda do Governo e de fundos comunitários, tentam deixar uma pegada positiva no país e, quem sabe, no mundo.
Portugal enquanto Estado-membro afirma-se pioneiro na União Europeia em inovação social por ter reservado uma fatia dos fundos comunitários para apoiar projectos nesta área – empresas privadas sem fins lucrativos que procurem responder de forma eficaz a um ou mais problemas sociais, gerindo de forma eficiente os seus recursos. “Em Portugal, o desemprego jovem é de cerca de 28%. O risco de exclusão e pobreza social é de quase 20%. Estes são alguns problemas que temos de resolver”, exemplificou Filipe Almeida, que dirige o Portugal Inovação Social, instrumento criado pelo Governo para investir neste campo. Mas há outros problemas que precisam de solução: o desperdício alimentar e a fome, o isolamento, o abandono escolar, a reincidência criminal ou a poluição são apenas exemplos.
COLORADD: CORES QUE TODOS CONSEGUEM VER
Filipe Almeida falava num encontro com jornalistas, que decorreu esta terça-feira de manhã em jeito antevisão da Social Innovation Conference, agendada para Novembro na Fundação Gulbenkian, em Lisboa. Neste evento, foram apresentados quatro projectos que, com o apoio financeiro do Portugal Inovação Social, querem ajudar a resolver os problemas sociais do país e também do mundo.
É o caso do ColorADD, dirigido aos 350 milhões de daltónicos que diariamente se cruzam com dificuldades em distinguir as cores em seu redor, seja as das linhas de metro, de uma caixa de lápis de pintar ou de jogos de cartas. Miguel Neiva, fundador do projecto, criou um sistema de símbolos para as três cores primárias – ciano, magenta e amarelo – e para as cores neutras – branco e preto – que, quando combinados, permitem identificar qualquer cor. O projecto já está implementado nas pulseiras dos doentes do Hospital de São João, no Metro do Porto, na marca de lápis coloridos Viarco e nas cartas Uno.
EKUI: APRENDER A FALAR COM SURDOS E MUDOS
A EKUI, outra das ideias apresentadas, é um projecto para eliminar as barreiras na comunicação linguística, permitindo que crianças, jovens e adultos, independentemente de serem surdos ou mudos, possam universalmente compreender-se uns aos outros. “Não basta ensinar a ler e a escrever, é preciso educar para a diferença”, explicou Celmira Macedo, fundadora do projecto. A EKUI propõe o ensino do alfabeto através de um baralho de cartas que, além da grafia tradicional e da fonética de cada letra, ensina a gesticulá-la ou a identificá-la em braile.
O projecto está implementado em 200 escolas a nível nacional, onde a EKUI desenvolve formações com professores para que estes possam implementar a sua metodologia no ensino. “As crianças que hoje nas escolas estão a ter o seu processo de alfabetização com o nosso material serão, na vida adulta, pessoas muito mais conscientes”, acredita Celmira.
SPEAK: UM INTERCÂMBIO DE LÍNGUAS E CULTURAS
A Speak é o projecto da Mariana Brilhante. Nasceu em Leiria com o intuito de promover um intercâmbio de línguas e culturas entre migrantes e habitantes locais. “Qualquer pessoa podem inscrever-se para ensinar uma língua ou cultura, ou para aprender uma língua ou cultura”, explica. A Speak está presente numa dúzia de cidades, de Lisboa a Braga, do Porto a Berlim, e permite a quem se muda para um novo território aprender a língua e a cultura de lá, bem como fazer novas amizades. A plataforma é online, mas tem uma componente offline – regularmente são organizados encontros nas várias cidades porque “nada substitui o contacto pessoal”, diz Mariana.
Um curso de 18 horas com uma sessão presencial por semana custa entre 25 e 30 euros, dependendo da cidade, mas é gratuito para quem não tiver capacidade financeira para o pagar. O Speak já teve mais de mil inscrições e cruzou cerca de 125 nacionalidades. O objectivo é, refere Mariana, chegar às 20 cidades em 2018. O projecto provou aumentar 15% no sentimento de pertença à cidade, diminuir em 30% as barreiras linguísticas e aumentar em 40% o sentimento de valorização da cultura dos participantes pelos outros.
ACADEMIA DE CÓDIGO: ENSINAR A PROGRAMAR PARA BAIXAR O DESEMPREGO
Já a Academia de Código nasceu a pensar nos 500 mil profissionais de TI (Tecnologias de Informação) que não existem na União Europeia e nos 4 milhões de jovens desempregados no conjunto dos Estados-membro. Através de cursos intensivos de 14 semanas, é dada a oportunidade a desempregados de dar um novo rumo às suas vidas – aprendem a programar e podem depois trabalhar em empresas de tecnologia. “Não só ensinamos a escrever código, como ensinamos-lhes as competências de que precisam para trabalhar numa empresa logo desde o primeiro dia”, explica João Magalhães.
Entre 2017 e 2019, a Academia quer promover nove cursos a um ritmo de três por ano. Nos primeiros três, realizados neste 2017, recebeu 497 candidaturas – a taxa de empregabilidade é de 85%. Parte da actividade da Academia realiza-se no Fundão, onde se instalaram empresas como a Altran ou a Loicalis – de acordo com João, a Altran tem 18 pessoas, das quais 16 foram formadas pela Academia. “Ajudamos as pessoas a entrar no mercado de trabalho, fazemos as pontes com as empresas”, referiu. “Já há empresas interessadas nos nossos alunos antes de terminarem sequer o curso.”
PORTUGAL INOVAÇÃO SOCIAL COM 38 PROJECTOS JÁ APROVADOS
A inovação social não é muito comum no sector público ou no sector privado lucrativo; acontece sobretudo no sector cooperativo e social – que é privado mas não apresenta fins lucrativos, como explicou Filipe Almeida. “Temos 38 projectos aprovados neste momento, são apenas os primeiros 38 projectos”, avançou o responsável.
O Portugal Inovação Social, integrado no programa Portugal 2020, dispõe de 150 milhões de euros para apoiar projectos que provem ser eficazes no combate ao problema social e eficientes na utilização dos recursos. O fundo estará disponível, faseadamente, através de quatro linhas de financiamento diferentes, que envolvem investidores públicos e privados, e que abrangem necessidades diferentes quer dos autores dos projectos, quer dos financiadores.
Luís Jerónimo, da direcção da Fundação Calouste Gulbenkian, que financia alguns dos projectos do Portugal Inovação Social, explicou que a inovação social pode ser um conceito novo, apesar de ser uma iniciativa muito antiga. “Se olharmos para a evolução da humanidade, as necessidades sociais sempre tiveram presentes e projectos a que agora chamaríamos de inovação social sempre aconteceram”, disse o responsável. “A vantagem de termos o conceito é que percebemos a importância desta forma de trabalho na resolução dos problemas e podemos acelerar os processos.”
“É possível ganhar dinheiro a fazer o bem”, rematou Miguel Neiva no final do encontro, explicando que inovação social é um negócio pois precisa de pagar salários e custos. “Caso contrário, seria algo a que só poderia dedicar-me na sexta à noite”, comentou. A ideia foi correlada por Celmira, da EKUI, que explicou que as receitas por cada baralho de cartas vendido permitem produzir dois novos baralhos – um para vender e outro para oferecer, seja a uma escola onde vá ser feita uma formação ou a uma família carenciada. A EKUI comercializa cada baralho a 14 euros.