Criou uma nova ferramenta de alfabetização para crianças com necessidades educativas especiais, abriu uma escola de pais, fundou uma associação, reatou contactos entre avós, filhos e netos. O EKUI é uma estratégia pioneira.
É um baralho de 26 cartas fora do comum. Cada carta representa uma letra do alfabeto que se apresenta de várias formas: escrita à mão, em língua gestual portuguesa, em braille, em símbolos do alfabeto fonético. O projeto EKUI (Equity/Equidade, Knowledge/Conhecimento, Universality/Universalidade, Inclusion/Inclusão) está em várias escolas para que crianças com e sem necessidades educativas especiais aprendam a ler sem barreiras de comunicação. Esta nova metodologia de ensino inclusivo conquistou o Prémio Maria José Nogueira Pinto, entre 125 projetos inovadores apresentados no ano passado, e a distinção de Personalidade do Ano do Prémio Cooperação e Solidariedade António Sérgio, que homenageia quem se destaca em áreas relevantes para a economia social.
Tudo começou letra a letra, sílaba a sílaba, palavra a palavra, num grupo de crianças autistas. A natureza inovadora do EKUI de acrescentar e conciliar a componente visual e fonética na aprendizagem teve e tem impacto ao ajudar crianças a ler e a escrever, ensinando simultaneamente fonética, braille, língua gestual e o alfabeto. O EKUI chega a mais de três mil crianças, a mais de 230 escolas. “Sou teimosa, estou atenta, gosto de trabalhar projetos que transformam a sociedade e acredito que é possível mudar o Mundo.”
Celmira Macedo é professora de Educação Especial e, certo dia, tomou uma decisão que mudou a sua vida. “Resolvi estudar e investigar mais para trabalhar mais e melhor com os pais e com os filhos de famílias com necessidades educativas especiais”, recorda. Estava a dar aulas no distrito de Bragança e a tirar o doutoramento na Universidade de Salamanca, em Espanha, sobre competências emocionais das famílias das pessoas com deficiência. O trabalho de campo deu-lhe que pensar. “Tinha dois caminhos: continuava a tese de doutoramento ou ia para o terreno ajudar as pessoas.” Optou pela segunda, ao perceber que havia famílias sem rede, sem suporte.
Criou a Escola de Pais NEE (Necessidades Emotivas Especiais) para trabalhar competências parentais, educação emocional e educação para a diferença, e escreveu um livro sobre o projeto e as estratégias a desenvolver com pais. Criou a Leque – Associação de Pais e Amigos de Pessoas com Necessidades Especiais em Bragança, conseguiu abrir uma colónia de férias para que os pais deixassem os filhos com necessidades especiais no mês de agosto, criou um centro de reabilitação e atendimento de pessoas com deficiência em Alfândega da Fé, arrancou com um programa para que os mais velhos restabelecessem o contacto com filhos e netos espalhados pelo Mundo através do Facebook e do Skype, para combater o isolamento em aldeias do interior. E o EKUI foi ganhando formas neste percurso. “Se 10% dos alunos repetem o 1.º ciclo é porque as estratégias não se ajustam aos alunos que têm uma forma de aprender diferente”, considera. Entretanto terminou o doutoramento com nota máxima dez anos depois do seu início.
Celmira Macedo tem 47 anos e continua a ensinar, agora na Escola Secundária Inês de Castro, em Vila Nova de Gaia. Sofreu dois AVC, recuperou, voltou ao trabalho. “Tenho de devolver ao Mundo e à vida aquilo que a vida me deu.” “Dar a volta a desafios faz bem à alma”, garante.
Texto de Sara Dias Oliveira